A estética do frio
Dizem que a geografia de um lugar molda o temperamento de seus habitantes.
Não saberia dizer quanta verdade há nisso, mas tendo a concordar.
Nas bordas do sul da América do Sul, o tempo anda na cadência bem marcada das estações, numa aproximação dos ritmos esperados para a vida.
Mas é o inverno que nos dá o tom.
Quem por aqui nasceu não raro sente não haver, em tempo ou lugar alguns invernos como os de sua meninice.
O frio está na infância.
É a marca de nossa ancestralidade.
Não é um frio sem tréguas ou incapacitante, como nos extremos da terra.
Nem cinza e úmido, dia após dia, como no Velho Mundo.
Nosso frio tem cor e pode ser segurado no peito.
É também recatado.
Na maioria das vezes, nos nega o deslumbramento da neve.
Incerto, como um animal caprichoso, traz chuva miúda, manhãs brumosas, tardes ensolaradas.
Nosso frio é domado em volta do fogo.
Fogo de chão, da lareira, do fogão a lenha, das espiriteiras, das velas, dos braseiros, das fogueiras de papel sob os viadutos e pontes.
Assim, munidos de nossa força original, sobrevivemos às casas sem calefação, ao vento que corta, às noites longas e aos campos esbranquiçados de geada.
Nas cidades, nos salvam os aquecedores, os cachecóis e os cafés, que estilizam nossa busca atávica de calor e convívio.
Um mate quente ou um bom vinho também ajudam.
E o abraço acontece essencial, numa noite de inverno.
TEXTO Stela Rates ** Professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS e fotógrafa
FOTOS Daniel Marenco * Jornalista/Unisinos e repórter fotográfico do jornal Zero Hora
http://www.ufrgs.br/comunicacaosocial/jornaldauniversidade/110/ensaio.htm
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