sexta-feira, 20 de setembro de 2013
domingo, 1 de setembro de 2013
MUDANÇA
As mudanças no mundo do trabalho e as novas demandas de educação
Autoria: Francisco H. Lopes da Silva
As
profundas modificações que têm ocorrido no mundo do trabalho trazem novos
desafios para a educação. O capitalismo vive um novo padrão de acumulação
decorrente da globalização da economia e da reestruturação produtiva, que passa
a determinar um novo projeto educativo para os trabalhadores, independentemente
da área, das atribuições ou do nível hierárquico em que atuem.Como resposta às novas exigências de competitividade que marcam o mercado globalizado a exigir cada vez mais qualidade com menor custo, a base técnica de produção fordista, que dominou o ciclo de crescimento das economias capitalistas no pós 2ª guerra até o final dos anos sessenta, vai aos poucos sendo substituída por um processo de trabalho resultante de um novo paradigma tecnológico apoiado essencialmente na microeletrônica, cuja característica principal é a flexibilidade. Este movimento, embora não seja novo, uma vez que se constitui na intensificação do processo histórico de internacionalização da economia, reveste-se de novas características, posto que assentado nas transformações tecnológicas, na descoberta de novos materiais e nas novas formas de organização e gestão do trabalho.
Estabelecem-se novas relações entre trabalho, ciência e cultura, a partir das quais constitui-se historicamente um novo princípio educativo, ou seja, um novo projeto pedagógico através do qual a sociedade pretende formar os intelectuais/trabalhadores, os cidadãos/produtores para atender às novas demandas postas pela globalização da economia e pela reestruturação produtiva. O velho princípio educativo, decorrente da base técnica da produção taylorista/fordista vai sendo substituído por um outro projeto pedagógico determinado pelas mudanças ocorridas no trabalho.
A pedagogia orgânica ao taylorismo/fordismo tinha por finalidade atender a uma divisão social e técnica do trabalho marcada pela clara definição de fronteiras entre as ações intelectuais e instrumentais, em decorrência de relações de classe bem definidas que determinam as funções a serem exercidas por dirigentes e trabalhadores no mundo da produção, o que resultou em processos educativos que separavam a teoria da prática.
O processo produtivo, por sua vez, tinha como paradigma a organização em unidades fabris que concentram grande número de trabalhadores distribuídos em uma estrutura verticalizada que se desdobra em vários níveis operacionais, intermediários (de supervisão) e de planejamento e gestão, cuja finalidade é a produção em massa de produtos homogêneos para atender a demandas pouco diversificadas. A organização da produção em linha expressa o princípio taylorista da divisão do processo produtivo em pequenas partes onde os tempos e movimentos são padronizados e rigorosamente controlados por inspetores de qualidade e as ações de planejamento são separadas da produção.
Era preciso, portanto, qualificar trabalhadores que atendessem as demandas de uma sociedade cujo modo dominante de produção, a partir de uma rigorosa divisão entre as tarefas intelectuais (dirigentes) e as operacionais, caracterizava-se por tecnologia de base rígida, relativamente estável. A ciência e a tecnologia incorporadas ao processo produtivo, através de máquinas eletromecânicas que trazem em sua configuração um número restrito de possibilidades de operações diferenciadas que exigem apenas a troca de uns poucos componentes, demandavam comportamentos operacionais pré-determinados e com pouca variação. Compreender os movimentos necessários a cada operação, memorizá-los e repeti-los ao longo do tempo, não exige outra formação escolar e profissional que o desenvolvimento da capacidade de memorizar conhecimentos e repetir procedimentos em uma determinada seqüência.
A pedagogia, em decorrência, propõe conteúdos que, fragmentados, organizam-se em seqüências rígidas; tendo por meta a uniformidade de respostas para procedimentos padronizados, separa os tempos de aprender teoricamente e de repetir procedimentos práticos e exerce rigorosamente o controle externo sobre o aluno. Esta pedagogia responde adequadamente às demandas do mundo do trabalho e da vida social, que se regem pelos mesmos parâmetros das certezas e dos comportamentos que foram definidos ao longo do tempo como aceitáveis.
Do paradigma taylorista/fordista decorrem várias modalidades de fragmentação no trabalho pedagógico, escolar e não escolar, que se constituem na expressão da divisão entre classes sociais no capitalismo: a dualidade estrutural, a partir da qual se definem tipos diferentes de escola, segundo a origem de classe e o papel a elas destinado na divisão social e técnica e trabalho; a fragmentação curricular, que divide o conhecimento em áreas e disciplinas trabalhadas de forma isolada que passam a ser tratadas como se fossem autônomas entre si e da prática social concreta, a partir da pretensa divisão da consciência sobre a ação, a partir do que a teoria se supõe separada da prática; a expressão desta fragmentação é a grade curricular, que distribui as diferentes disciplinas com suas cargas horárias por séries e turmas de forma aleatória, supondo que a unidade rompida se recupere como conseqüência "natural" das práticas curriculares, ficando por conta do aluno a reconstituição das relações que se estabelecem entre os diversos conteúdos disciplinares; as estratégias taylorizadas de formação de professores, que promovem capacitação parcelarizada, por temas e disciplinas, agrupando os profissionais por especialidade, de modo a nunca discutir o trabalho pedagógico em sua totalidade, a partir do espaço de sua realização: a escola;o plano de cargos e salários, que prevê a contratação dos profissionais da educação por tarefas, ou jornadas de trabalho, e até mesmo por aulas ministradas, de modo que eles se dividem entre diversos espaços, sem desenvolver sentido de pertinência à escola; quando se representam, os professores evidenciam identidade com a área ou disciplina de sua formação, e não de professores da escola; a fragmentação do trabalho dos pedagogos, nas distintas especialidades, que foram criadas pelo Parecer 252/69 do Conselho Federal de Educação, praticamente superadas pelas tentativas de unificação nas agências de formação e nas escolas; esta fragmentação agora foi reeditada pela Lei 9394/96, no art 64.
O trabalho pedagógico, assim fragmentado, respondeu, e continua respondendo, ao longo dos anos, às demandas de disciplinamento do mundo do trabalho capitalista organizado e gerido segundo os princípios do taylorismo/fordismo, em três dimensões: técnico, político e comportamental.
A globalização da economia e a reestruturação produtiva, enquanto macro estratégias responsáveis pelo novo padrão de acumulação capitalista, transformam radicalmente esta situação, imprimindo vertiginosa dinamicidade às mudanças que ocorrem no processo produtivo, a partir da crescente incorporação de ciência e tecnologia, em busca de competitividade. A descoberta de novos princípios científicos permite a criação de novos materiais e equipamentos; os processos de trabalho de base rígida vão sendo substituídos pelos de base flexível; a eletromecânica, com suas alternativas de solução bem definidas, vai cedendo lugar à microeletrônica, que assegura amplo espectro de soluções possíveis desde que a ciência e a tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domínio dos trabalhadores; os sistemas de comunicação interligam o mundo da produção.
As novas demandas de qualificação, portanto, referem-se a um trabalhador de novo tipo, que atue na prática a partir de uma sólida base de conhecimentos científico-tecnológicos e socio-históricos, e ao mesmo tempo acompanhe a dinamicidade dos processos e resista ao "stress". Ao mesmo tempo, as novas tecnologias exigem cada vez mais a capacidade de comunicar-se adequadamente, através do domínio das formas tradicionais e novas de linguagem, incorporando, além da língua portuguesa, a língua estrangeira, a linguagem informática e as novas formas trazidas pela semiótica; a autonomia intelectual, para resolver problemas práticos utilizando os conhecimentos científicos, buscando aperfeiçoar-se continuamente; a autonomia moral, através da capacidade de enfrentar as novas situações que exigem posicionamento ético; finalmente, a capacidade de comprometer-se com o trabalho, entendido em sua forma mais ampla de construção do homem e da sociedade, através da responsabilidade, da crítica, da criatividade.
Embora no âmbito do processo produtivo como um todo a tendência seja a precarização do trabalho, do ponto de vista da concepção de qualificação para o trabalho, há avanços.
Solidamente fundamentada sobre a educação básica, a qualificação não repousa mais sobre a aquisição de modos de fazer, deixando de ser concebida, como o faz o taylorismo/fordismo, como conjunto de atributos individuais, predominantemente psicofísicos, centrados nos modos de fazer típicos do posto de trabalho. Ao contrário, passa a ter reconhecida a sua dimensão social e ser concebida como resultante da articulação de diferentes elementos, através da mediação das relações que ocorrem no trabalho coletivo, resultando de vários determinantes subjetivos e objetivos, como a natureza das relações sociais vividas e suas articulações, escolaridade, acesso a informações, domínio do método científico, riqueza, duração e profundidade das experiências vivenciadas, tanto laborais quanto sociais, acesso a espaços, saberes, manifestações científicas e culturais, e assim por diante.
Compreendida desta forma, a qualificação depende das possibilidades de acesso a informações, de interagir com meios e processos de trabalho mais avançados, de exercer sua autonomia e criatividade, de participar da definição das normas e das decisões que afetam suas atividades.2
Contudo, embora seja resultante das condições objetivas de vida e de trabalho, e portanto, resultante da práxis coletiva, a qualificação tem uma forte determinação das condições subjetivas, que incluem desejos, motivações, experiências e conhecimentos anteriores, o que faz com que muitos autores considerem inevitável investir na valorização da subjetividade dos trabalhadores nos processos de inovação.3
Em resumo, pode-se afirmar que a qualificação profissional resulta de articulações dinâmicas e contraditórias entre as relações sociais das quais resultam o trabalho coletivo e as possibilidades e limitações do trabalho individual, mediado pelas relações de classe, do que resultam articulações entre conhecimentos e experiências que envolvem as dimensões psicofísica, cognitiva e comportamental, as quais permitirão ao cidadão/produtor trabalhar intelectualmente e pensar praticamente, dominando o método científico, de modo a ser capaz de resolver problemas da prática social e produtiva.
Para desenvolvê-la é preciso outro tipo de pedagogia, determinada pelas transformações ocorridas no mundo do trabalho nesta etapa de desenvolvimento das forças produtivas, de modo a atender às demandas da revolução na base técnica de produção, com seus profundos impactos sobre a vida social. O objetivo a ser atingido é a capacidade para lidar com a incerteza, substituindo a rigidez pela flexibilidade e rapidez, de modo a atender a demandas dinâmicas, sociais e individuais, políticas, culturais e produtivas que se diversificam em qualidade e quantidade.
A partir desta concepção, resta bem diferenciada a finalidade da qualificação no taylorismo/fordismo da apresentada pelos processos produtivos reestruturados considerando a dupla mediação realizada pelas novas tecnologias de base microeletrônica e pelas novas estratégias de gestão: da capacidade bem definida para atuar de forma estável em processos tecnológicos pouco complexos no posto de trabalho para a qualificação entendida como capacidade potencial para atuar em situações não previstas, em processos dinâmicos com base tecnologicamente sempre mais complexa e a partir do conhecimento da totalidade do processo de trabalho, incluindo sua relação com os processos sociais e econômicos mais amplos.
É esta nova dimensão que tem justificado a contraposição do conceito de qualificação, que vem sendo desenvolvido no campo da esquerda, ao conceito de competência, desenvolvido pelo capitalismo nesta nova etapa de acumulação, como forma de demarcar a superação (por incorporação em patamares qualitativamente superiores) de uma concepção que nasce no âmbito de taylorismo/fordismo.
Como já se afirmou anteriormente, estas concepções se aproximam quando defendem um projeto pedagógico que, ao articular conhecimento geral e específico, teoria e prática, sujeito e objeto, parte e totalidade, dimensão disciplinar e transdisciplinar, permita ao aprendiz resolver problemas não previstos usando, de forma articulada, conhecimentos científicos, saberes tácitos, experiências e informações.
O que diferencia, estruturalmente, estas duas concepções, é o campo onde se situam, o que determinará a sua finalidade: a exploração dos trabalhadores para acumular o capital ou a emancipação humana através de uma nova forma de organização da produção, e portanto, da sociedade.
Do ponto de vista do currículo, da
politecnia deriva o princípio pedagógico que mostra a ineficácia de ações
meramente conteudistas, centradas na quantidade de informações que não
necessariamente se articulam, para propor ações que, permitindo a relação do
aluno com o conhecimento, levem à compreensão das estruturas internas e formas
de organização, conduzindo ao "domínio intelectual" da técnica,
expressão que articula conhecimento e intervenção prática. A politecnia supõe,
portanto, uma nova forma de integração de vários conhecimentos, através do
estabelecimento de ricas e variadas relações que quebram os bloqueios
artificiais que transformam as disciplinas em compartimentos específicos,
expressão da fragmentação da ciência.
Do ponto de vista da organização do trabalho pedagógico, a politecnia
implica em tomar a escola como totalidade, em compreender a gestão como prática
social de intervenção na realidade tendo em vista a sua transformação, e em uma
nova qualidade na formação dos profissionais da educação, pedagogos e
professores, a partir de uma sólida base comum que tome as relações entre
sociedade e educação, as formas de organização e gestão do trabalho pedagógico,
as políticas, os fundamentos e as práticas educativas, que os conduza ao
"domínio intelectual da técnica.
A partir desta concepção, algumas
conclusões se impõem; a análise do exercício laboral e da formação dos chamados
trabalhadores flexíveis mostra que, embora presente no discurso a recomposição
da unidade, nunca estiveram tão distantes da prática o poder de decidir, de
criar ciência e tecnologia, de intervir em processos cada vez mais
centralizados, tecnológica e gerencialmente. Pelo contrário, o trabalho da
maioria está cada vez mais desqualificado, intensificado e precarizado, como
resultado do novo regime de acumulação. Do que se conclui que, do ponto de
vista da gestão empresarial, a recomposição da unidade do trabalho não passa de
ampliação de tarefas do trabalhador, sem que isto signifique uma nova qualidade
na formação, de modo a possibilitar o domínio intelectual da técnica.
O mesmo tem ocorrido com o trabalho
dos profissionais da educação: suas tarefas estão sendo a cada dia ampliadas,
num esforço de suprir na escola direitos que a sociedade não assegura,
inclusive desempenhando funções que historicamente foram de responsabilidade
das famílias; seu trabalho está sendo cada vez mais intensificado, com a
progressiva extensão de jornadas de trabalho e trabalho domiciliar; suas
condições de trabalho cada vez mais precarizadas, não só da perspectiva da
escola e do salário, mas com sérias conseqüências sobre sua qualidade de vida e
condições de existência: stress e outros problemas de saúde física e mental,
alimentação, lazer, formação profissional continuada, acesso aos bens materiais
e culturais, e assim por diante.
A divisão entre os que possuem os meios de produção e os que vendem sua
força de trabalho cada vez mais se acentua na acumulação flexível,
acirrando-se, ao contrário do que diz o novo discurso do capital, a cisão entre
o trabalho intelectual, que compete cada vez a um número menor de
trabalhadores, estes sim, com formação flexível resultante de prolongada e
contínua formação de qualidade, e o trabalho instrumental cada vez mais
esvaziado de conteúdo.
Em decorrência, a politecnia enquanto unidade entre teoria e prática,
resultante da superação da divisão entre capital e trabalho, fica
historicamente inviabilizada a partir das bases materiais de produção no
capitalismo, em particular neste regime de acumulação. A unitariedade,
portanto, só será possível através da superação entre capital e trabalho –
verdadeira e única origem da divisão entre classes e das demais formas de
divisão; inscreve-se, portanto, no campo da utopia, como condição a ser
construída através da superação do capitalismo.
Ora, se o trabalho pedagógico, escolar e não escolar, ocorre nas e
através das relações sociais e produtivas, ele não está imune às mesmas
determinações. Ou seja, enquanto não for historicamente superada a divisão
entre capital e trabalho, o que produz relações sociais e produtivas que têm a
finalidade precípua de valorização do capital, não há possibilidade de
existência de práticas pedagógicas autônomas; apenas contraditórias, cuja
direção depende das opções políticas da escola e dos profissionais da educação
no processo de materialização do projeto político-pedagógico.
Este, por sua vez, expressa os consensos e práticas possíveis em um
espaço escolar ou não escolar atravessado por relações de poder, concepções
teóricas, ideológicas e políticas também contraditórias, para não falar dos
diferentes percursos de formação profissional. Esta análise mostra que nos
espaços educativos capitalistas, a unitariedade do trabalho pedagógico enquanto
trabalho que não se diferencia a partir da origem de classe dos seus alunos e
de seus profissionais, também não é historicamente possível. Mas, isto
significa que não se possa avançar?
É evidente que não; é preciso, contudo, considerar que a superação
destes limites só é possível através da categoria contradição, que permite
compreender que o capitalismo traz inscrito em si, ao mesmo tempo, a semente de
seu desenvolvimento e de sua destruição. Ou seja, é atravessado por
positividades e negatividades, avanços e retrocessos, que ao mesmo tempo evitam
e aceleram a sua superação. É a partir desta compreensão que se deve analisar a
unitariedade como possibilidade histórica de superação da fragmentação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS.
BOLETIM TÉCNICO DO SENAC, Rio de Janeiro, v.27, n.3, set/dez, 2001.
FAYOL, Henry. Administração industrial e geral. São Paulo, Atlas, 1975.
KUENZER, Acacia Z.. As mudanças no mundo do trabalho e a educação: novos
desafios para a gestão. In: FERREIRA, Naura S. C. Gestão democrática da
Educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo, Cortez. 1998, p 33 a
58.
KUENZER, Acacia ( org ). Z. Ensino Médio: construindo uma proposta para
os que vivem do trabalho. São Paulo, Cortez, 2000.
LERNER, D. O ensino e o aprendizado escolar: argumentos contra uma falsa
oposição. IN: CASTORINA, J. Piaget e Vigotsky: novas contribuições para o
debate.
LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê?. São Paulo, Cortez,
1998.
MARX, K. O Capital, livro 1, capítulo VI inédito. São Paulo, Ciências
Humanas.
MARX e ENGELS. A ideologia alemã. Portugal, Martins Fontes, s.d.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre,
Artmed,1999.
RAMOS, M.N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São
Paulo, Cortez, 2001.
ROUPÉ e TANGUY.
Saberes e competências. O uso de tais noções na escola e na Empresa. Campinas,
Papirus, 1994. ZARIFIAN, P. Objetivo:
competências.
MENINOS E MENINAS DE RUAS
O drama de nossas ruas.
Por João Pedro Fontes Zagni
O drama urbano
O
que leva a existência de meninos e moradores de rua é a falta de
incentivo à educação e término do ensino fundamental ou médio no país,
creio que se o país investisse mais na educação pública o Brasil não
teria tomado o rumo que tomou décadas atrás. Vide um exemplo: Vamos
supor que meu pai ganhe 13.000 reais de salário bruto, antes que ele
receba o seu salário em sua conta bancária, são descontados alguns
impostos feitos pelo governo, e seu salário cai para 9.000 reais, e isso
eles denominam de salário líquido, fora vários outros impostos que o
governo cobra dos cidadãos brasileiros ao longo do ano. É uma
estatística, o Brasil é um dos países que mais cobra impostos e não
reutiliza para o benefício dos cidadãos brasileiros, um pouco
vergonhoso, não?
Depois
de pensar um pouco nisso a única explicação racional é que os políticos
e administradores do Brasil não querem pessoas pobres e menos
favorecidas tendo ensino público de ponta, pois além de se importarem
apenas com sua avareza e sua ganância, não é de interesse de nenhum
deles que a base, a maioria brasileira seja informada, tenha estudos,
eles querem uma massa, uma maioria alienada para eles poderem
“controlar” com mais facilidade e para deixar que empregos mal
remunerados como, por exemplo: trocadores e motoristas de ônibus, garis,
garçons e derivados sejam ocupados por essa classe alienada, sem que
atrapalhem seus filhos no concurso que eles vão fazer para ingressar em
uma boa faculdade.
Esta
marginalização - pessoas que estão à margem da sociedade, sem acesso a
educação e saúde pública de qualidade cada vez tem menos chances de
progredir-
A
falta de estrutura familiar, e o pouco tempo dispensado em casa à
família fazem com que mais cedo meninos e meninas entrem em contato com
realidades como a bandidagem visando o lucro rápido, a prostituição e o
uso de drogas como paliativo para sensações angustiantes que é não ter
um futuro promissor, não ter uma família estruturada (não
necessariamente ter uma família padrão, e sim um suporte emocional).
Ao abrir a porta, o indivíduo encontra a rua. A rua é de todos, e a rua não é de ninguém, por fim.
As
pessoas passam tentando não ver porque estão correndo com as suas vidas
e procuram não repararem nestes dramas sociais que é a exclusão do
indivíduo levando-o as ruas, pois estes fatos já se tornarem normais em
seus cotidianos.
Quem governa as ruas? O guarda? Os seguranças? Em Londres temos as câmeras, um perfeito “big brother” da segurança estatal.
Que
ruas são estas? Ruas urbanas? Ruas de favelas? Ruas de terra? De pedra?
Asfaltadas? Valões? A rua como grande empregador, que fornece o “ganha
pão” a partir de ações moralmente não aceitas na sociedade que às vezes
são estimuladas até pelo seu grupo familiar como pedir esmola, furtos,
vender balas e fazer malabarismos em um sinal de transito, roubos,
assaltos, brigas, assassinatos, venda de drogas. Onde está o Estado?
Bom, ele está muito ocupado cuidando de seu próprio nariz, tente outra
vez mais tarde. Ele no momento está cuidando de passagens aéreas para
familiares de políticos, cuidando da compra de seus novos carros
esportivos, mansões, está cuidando de seus paraísos fiscais, mas com
certeza, não está cuidando da favela perto de sua casa, não está
investindo para melhorar o ensino do colégio público que tem em frente
ao nosso colégio, tenham certeza.
Poucas
são as iniciativas privadas, que, salvo honrosas exceções como, por
exemplo, o Instituto Airton Senna participa de ações altruístas,
solidárias e humanitárias em prol de uma sociedade esquecida pelos
administradores deste Estado.
Outro
dia, eu estava indo para casa já de noite e um menino de rua, com
nenhuma má intenção veio me pedir um chinelo, pois ele tinha caminhado o
dia inteiro e seus pés estavam cortados, eu pude ver em seus olhos sua
expressão de necessidade, de dor. Ele não me pediu esmola, só me pediu
que lhe desse um casaco ou um chinelo, e de fato, eu poderia dar. Porém,
alguma coisa deu em mim que eu o evitei, e disse uma desculpa dizendo
que não poderia e que não tinha sobrando, mas eu tinha. Arrependo-me
amargamente deste dia, chegando em casa o pobre menino não saia da minha
mente, pus o chinelo nos meus pés e sai de novo alegando para minha mãe
que iria para o mercado comprar algo e fiquei procurando o menino que
tinha me pedido ajuda, infelizmente, não o encontrei. Este caso me
atormenta até hoje, eu chorei por causa disto e fiquei sensibilizado, e
até escrevi sobre isto.
Se
nós refletirmos sobre isso, chegaremos a conclusão que de tanto
dizermos que não temos, que não podemos e evitarmos os meninos de rua
por mero preconceito imposto pela sociedade, quando chegar a hora em que
alguém que realmente precise, que não venha te pedindo dinheiro e sim
ajuda, você irá evitá-lo como uma reação espontânea, é um paradigma
imposto pela sociedade, é um modelo, um modelo que diz que é perigoso,
que é imoral e que devemos evitar estas coisas. É um modelo que impõe
uma idéia preconceituosa sobre meninos e moradores de rua, uma
generalização que diz que todos os meninos de rua são assaltantes,
cheiradores de cola, bandidos. Às vezes é o próprio drama que você
poderia estar vivendo, mas o seu condomínio de luxo, a carteira do seu
pai, o seu estilo de vida impedem que você vá pra rua, porque a rua é a
selva de pedras, é o último passo da decadência, é o fim da linha para
muitas pessoas.
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