Os cozinheiros atores - NINA HORTA
FOLHA DE SP - 17/04
Vemos Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças
Na semana passada, contei que fui entrevistada por uma repórter que trazia, além de lápis e papel, olhos azuis ou verdes, cabelos louros, nada chamuscados pelas lides da cozinha. É que ela atua em todos os setores, entrevista sobre o que lhe interessa, e a cozinha a estava deixando intrigada.
Quase todas as pautas eram sobre o assunto. Onde andariam outros heróis que não chefs, desde quando a malha colada do Super-Homem fora substituída pela calça xadrezinha do chef? Não pude responder a tudo e aqui vai o restante.
E os realities shows de chefs? Um mistério, porque neles não se aprende a cozinhar, mas concordo que se aprende a dizer "sim, chef", para não se tomar uma frigideira no ouvido. Então, ali, o programa não é de comida, é de competição.
E tenho uma hipótese sobre os programas que se repetem exatamente do mesmo jeito, como o do Gordon Ramsay, aquele que conserta restaurantes falidos.
O roteiro é exatamente o mesmo, o mesmo timing, ele chega à cidade, entra no restaurante, vê que num lugar onde há um mar gigantesco na porta o dono do restaurante só serve cabrito congelado e muda o menu para ostras e vermelhos e outro peixinho vadio que nade por ali.
O dono quase se mata com as modificações, o cozinheiro bate a porta e vai embora. Mas, quando dentro de três meses Ramsay volta, pode-se escutar hummm, hummm de gostosura na boca dos clientes. E o cofrinho do caixa está barrigudo, se arrebentando de euros.
E assistimos. Os cozinheiros atores são surpreendentemente bons, o Ramsay atua melhor do que cozinha, e o resto é a satisfação de nossa parte infantil, sabe quando a mãe pula uma linha do "Chapeuzinho Vermelho" e a criança quase dormindo sobressalta, chorando? Nós, os do sofá, somos assim também.
Imagine se um dia nos puséssemos a ver o programa e, quando os garçons trouxessem a comida da casa para o chef provar, ele achasse tudo uma delícia, comentando que não teria nada a fazer lá, que o problema deveria estar em outro lugar? Começaríamos a chorar como os bebês, com certeza.
No mais, assistimos a coisas que nos interessam. Quem não gosta de comer? Quem gosta de matar um peru e assar para o jantar? Então vemos o Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças, e ficamos felizes por ter que ser ele a executar os bichos e não nós que compramos o peito enrolado em plástico no mercado.
E o momento é de muita reflexão sobre a cozinha e sobre todo o resto. A cozinha sofreu um bocado com sua medicalização e confundiu os assuntos. E ainda tem a nutrição com maiúscula.
Sugeri que a Luara lesse "Culture in a Liquid Modern World" (Zigmunt Baum), um livro pequenino e fácil. Vai achar que todos no mundo, não só os cozinheiros, estão nesse impasse de não ter "receitas", livres como pássaros na gaiola.
A ideia dele é que todas as normas que antes cultivávamos passaram por um poderoso liquidificador e tornaram-se massinha de jardim de infância em nossas mãos. Ainda estamos brincando com elas. Até aprender tudo de novo.
Vemos Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças
Na semana passada, contei que fui entrevistada por uma repórter que trazia, além de lápis e papel, olhos azuis ou verdes, cabelos louros, nada chamuscados pelas lides da cozinha. É que ela atua em todos os setores, entrevista sobre o que lhe interessa, e a cozinha a estava deixando intrigada.
Quase todas as pautas eram sobre o assunto. Onde andariam outros heróis que não chefs, desde quando a malha colada do Super-Homem fora substituída pela calça xadrezinha do chef? Não pude responder a tudo e aqui vai o restante.
E os realities shows de chefs? Um mistério, porque neles não se aprende a cozinhar, mas concordo que se aprende a dizer "sim, chef", para não se tomar uma frigideira no ouvido. Então, ali, o programa não é de comida, é de competição.
E tenho uma hipótese sobre os programas que se repetem exatamente do mesmo jeito, como o do Gordon Ramsay, aquele que conserta restaurantes falidos.
O roteiro é exatamente o mesmo, o mesmo timing, ele chega à cidade, entra no restaurante, vê que num lugar onde há um mar gigantesco na porta o dono do restaurante só serve cabrito congelado e muda o menu para ostras e vermelhos e outro peixinho vadio que nade por ali.
O dono quase se mata com as modificações, o cozinheiro bate a porta e vai embora. Mas, quando dentro de três meses Ramsay volta, pode-se escutar hummm, hummm de gostosura na boca dos clientes. E o cofrinho do caixa está barrigudo, se arrebentando de euros.
E assistimos. Os cozinheiros atores são surpreendentemente bons, o Ramsay atua melhor do que cozinha, e o resto é a satisfação de nossa parte infantil, sabe quando a mãe pula uma linha do "Chapeuzinho Vermelho" e a criança quase dormindo sobressalta, chorando? Nós, os do sofá, somos assim também.
Imagine se um dia nos puséssemos a ver o programa e, quando os garçons trouxessem a comida da casa para o chef provar, ele achasse tudo uma delícia, comentando que não teria nada a fazer lá, que o problema deveria estar em outro lugar? Começaríamos a chorar como os bebês, com certeza.
No mais, assistimos a coisas que nos interessam. Quem não gosta de comer? Quem gosta de matar um peru e assar para o jantar? Então vemos o Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças, e ficamos felizes por ter que ser ele a executar os bichos e não nós que compramos o peito enrolado em plástico no mercado.
E o momento é de muita reflexão sobre a cozinha e sobre todo o resto. A cozinha sofreu um bocado com sua medicalização e confundiu os assuntos. E ainda tem a nutrição com maiúscula.
Sugeri que a Luara lesse "Culture in a Liquid Modern World" (Zigmunt Baum), um livro pequenino e fácil. Vai achar que todos no mundo, não só os cozinheiros, estão nesse impasse de não ter "receitas", livres como pássaros na gaiola.
A ideia dele é que todas as normas que antes cultivávamos passaram por um poderoso liquidificador e tornaram-se massinha de jardim de infância em nossas mãos. Ainda estamos brincando com elas. Até aprender tudo de novo.