segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

POEMAS PRECIOSOS: MUNDO PEQUENO, RENUNCIA E SAL

Mundo pequeno
«Aromas de tomilhos
dementam cigarras» (Sombra-boa)
I
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feitas de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Seu olho exagera o azul.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.
(  Manoel de Barros)


Renúncia
Sê o que renuncia  Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre a tua alma nas tuas mãos
E abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!

(Cecília Meireles)


O sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
... salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.


Eugénio de Andrade

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