sábado, 25 de agosto de 2012

Câmara Cascudo Eis o Homem do Folclore

CONTOS TRADICIONAIS DO BRASIL


- Luís da Câmara Cascudo - 

(publicado em 1967, pela Coleção Brasileira de Ouro)


SUMÁRIO: 

PREFÁCIO
I. CONTOS DE ENCANTAMENTO 
1. O fiel Dom José 
2. Os compadres corcundas
3. A Princesa de Bambuluá
4. Bicho de palha
5. O veado de plumas 
6. O príncipe Lagartão
7. A princesa Gia
8. Almofadinha de ouro
9. Maria Gomes
10. O marido da Mãe-d'Água
11. O papagaio real
12. O filho da burra
13. O espelho mágico 
14. Os três companheiros
15. A banda da coroa
16. A princesa Serpente
17. O peixinho encantado
18. Os sete sapatos da princesa
19. A rainha e as irmãs
20. A princesa sisuda
21. A princesa e o gigante
22. Couro de piolho
23. Chapelinho vermelho
24. A bela e a fera
25. A moura torta
26. Pedro, José e João

II. CONTOS DE EXEMPLO
27. Maria de Oliveira
28. A menina de brincos de ouro
29. Quirino, vaqueiro do rei
30. O bem com o bem se paga
31. Os quatro ladrões
32. O chapim do rei
33. A história do papagaio
34. O velho ambicioso
35. O mendico rico
36. Mata-sete
37. As três velhas
38. O conde-pastor
39. Joãozinho e Maria
40. O pequeno polegar
41. Seis aventuras de Pedro Malazarte
42. O boi Leição 

III. CONTOS DE ANIMAIS
43. O sapo e o coelho
44. A raposa e o cancão
45. O touro e o homem
46. Decreto libertador
47. O cágado e o teiú 
48. O sapo com medo d'água
49. O gato e a raposa
50. A raposa e o timbu
51. A raposa furta e a onça paga
52. A preguiça
53. A rolinha e a raposa
54. A onça e o bode
55. O bicho-folharal 
56. O macaco e a negrinha de cera
57. A aranha caranguejeira e o quibungo 

 IV. FACÉCIAS
58. O caboclo, o padre e o estudante
59. A velha amorosa 
60. A gulosa disfarçada 
61. A roupa do rei
62. Adivinha, adivinhão!
63. O homem que pôs um ovo
64. As irmãs tatas
65. Mostrando as prendas
66. As três favas mágicas
67. O menino sabido e o padre
68. O caboclo e o sol
69. O conselho do doutor Doido
70. O menino e o burrinho
71. A mulher do piolho

V. CONTOS RELIGIOSOS
72. Quem tudo quer, tudo perde
73. A moça e a vela
74. Viva Deus e ninguém mais!
75. Os rins da ovelha
76. Como a aranha salvou o Menino Jesus
77. Felicidade é sorte
78. A mãe de São Pedro
79. Uma lição do rei Salomão

VI. CONTOS ETIOLÓGICOS
80. Por que o negro é preto
81. A causa das secas no Ceará
82. Cantador de modinhas
83. A maraçapeba
84. A festa no céu
85. A goela e o rabo da baleia
86. Por que o cachorro é inimigo de gato e rato

VII. DEMÔNIO LOGRADO
87. Toca por pauta
88. O afilhado do diabo
89. As perguntas de Dom Lobo
90. Audiência do capeta

VIII. CONTOS DE ADIVINHAÇÃO
91. O filho feito sem pecado
92. Frei João-Sem-Cuidados
93. A princesa adivinhona

IX. NATUREZA DENUNCIANTE
94. As testemunhas de Valdivino 
95. A menina enterrada viva
96. Cantiga de menina enterrada viva

X. CONTOS ACUMULATIVOS
97. O menino e a avó gulosa
98. O macaco perdeu a banana

XI. CICLO DA MORTE
99. O compadre da Morte

XII. TRADIÇÃO
100. A música dos chifres ocos e perfurados

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PREFÁCIO

Nenhuma ciência como o Folclore possui maior espaço de pesquisa e de aproximação humana. Ciência da psicologia coletiva, cultura do geral no homem, da tradição e do milênio na atualidade, do heróico no quotidiano, é uma verdadeira História Normal do Povo. 

De todos os materiais de estudo, o conto popular é justamente o mais amplo e mais expressivo. É, também, o menos examinado, reunido e divulgado. Para centenas de volumes de versos populares, possuímos apenas três ou quatro coleções de contos tradicionais. 

O valor do conto não é apenas emocional e delicioso, uma viagem de retorno ao país da infância. Nem apenas social, expondo a idéia de fraternidade universal, como ensinava Saintyves. Constitui, na verdade, elemento indispensável para ciências afins. Franz Boas, antropólogo, é um dos patronos da "American Folklore Society", e sem o Folclore não seria possível sua obra "The Mind of Primitive Man". Marret dedicou um volume inteiro para demonstrar as relações entre o Folclore e a Psicologia: "Psychology and Folklore" (Londres, 1920). Goerge Laurence Gomme já o fizera quanto à História: "Folklore and Historical Science" (Londres, 1908). E já em 1891 Andrew Lang declarava: "Se me perguntassem como e por que o Folclore difere da Antropologia, ficaria um pouco embaraçado para responder..."

Se ele (o Folclore) recolhe e estuda a produção anônima e coletiva (Van Gennep), é um dos altos testemunhos da atividade espiritual do povo, em sua forma espontânea, diária e regular. Ligado, um pouco confundido com a Etnografia, o Folclore ensina a conhecer o espírito, o trabalho, a tendência, o instinto, tudo quanto de habitual existe no homem. Ao lado da Literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas, da memória e da imaginação popular. 

O conto é um vértice de ângulo dessa memória e dessa imaginação. A memória conserva os traços gerais, esquematizadores, o arcabouço do edifício. A imaginação modifica, ampliando pela assimilação, enxertias ou abandonos de pormenores, certos aspectos da narrativa. O princípio e o fim das estórias são as partes mais deformadas na literatura oral. 

O conto popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um documento vivo, denunciando costumes, idéias, mentalidades, decisões e julgamentos. 

Para todos nós, é o primeiro leite intelectual. Os primeiros heróis, as primeiras cismas, os primeiros sonhos, os primeiros movimentos de solidariedade, amor, ódio, compaixão, nos vêm com as estórias fabulosas, ouvidas na infância. 

Dos sessenta e dois cursos dados em vinte e cinco universidades norte-americanas sobre Folclore, cinco são dedicados exclusivamente ao conto popular, ao folk-tale. A Universidade da Califórnia, a Universidade de Indiana, a Universidade de Michigan, a Universidade de Novo México e a Universidade da Carolina do Norte, mantêm programas de estudo sobre as origens, desenvolvimento, confrontos, influências e classificação dos contos populares. 

As características do conto popular são:

1. Antiguidade
2. Anonimato
3. Divulgação
4. Persistência

É preciso que o conto seja velho na memória do povo, anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos repertórios orais.

De sua antiguidade, atestam detalhes de ambiente: armas, frases, hábitos desaparecidos. Raro é o conto, por exemplo, que menciona armas-de-fogo. Falam sempre de carruagem, espadas, transportes a cavalo, reclusão feminina, autoridade paterna, absolutismo real. 

Os contos aludem ao cabelo solto das donzelas, às crianças enjeitadas que o achador envolvia na capa, ao rei triste que só vestia branco, à coabitação prévia antes da cerimônia nupcial. Foram "usus", regras da vida diária, legalizados em sua ancianidade histórica. 

O professor Aurélio M. Espinosa, da Stanford University, na Califórnia, EUA, resumindo, na introdução do seu "Cuentos Populares Españoles" (Stanford, 1923), o trabalho dos folcloristas modernos, disse: 

"Estos envestigadores estudian los cuentos populares primeramente como cuentos, comparándolos con los de todas las partes del mundo, buscando su origen y tratando de descobrir su verdadera genealogia y evolución a través de la historia de los pueblos, y no dejan de estudiar, en cuanto les es posible, las ideas, costumbres primitivas y cultura de los pueblos, primitivos y modernos, de donde los cuentos procedem. Un tema tradicional se estudia a través de la literatura escrita y oral, se tiene sempre en cuenta la historia verdadera de los pueblos y el contato de unos con otros; se estudian todas la versiones que se pueden reunir de un cuento o de una tradición; se examina su parentesco; se estudia en fin a base del estado de cultura del pueblo de su procedencia y se determina su origen, su historia y su difusión. Los últimos resultados de estos estudios puden servir no sólo para completar las investigaciones de los cuentos populares como cuentos propriamente dichos, sino que también para buscar materiales útiles para las ciencias afines, en particular la antropologia, la psicologia, la religión y la historia". 

Esses estudos, entre nós, dispersam-se entre o "amadorismo" e a industrialização literária dos temas folclóricos. João Ribeiro, em 1919, escrevia, serenamente: "Investigar as origens e a formação das estórias populares, acompanhá-las em suas migrações aonde elas vão como domésticos na companhia das gentes e dos povos, não é ainda uma preocupação que mereça estímulos. Tudo, entre nós, que não é dinheiro, é tolice e inutilidade. Bem o sei..." (O Folk-lore, Rio: 1919, p. 254). 

A reação amanhece, lentamente. Um dia, interessará... 

Sobre a origem dos contos, neste volume, não ousei adiantar palavra. Nem sua interpretação. Caberá a um volume especial quando, reunidos em maior número, abrangendo variantes, possa o material constituir uma área mais ampla para confronto e dedução. 

Dar-lhes o título de "tradicionais" pareceu-me bastante lógico, porque esses contos estão vivos, trazidos, de geração em geração, na oralidade popular. Alguns, retirados de coleções impressas, com as precisas indicações bibliográficas, pertencem fielmente à mesma estirpe. Na colheita das estórias, fixei, não o local do nascimento do narrador, mas a cidade em que maior número de anos residiu, onde passou a infância, onde ouviu e registrou na memória os contos que transmitiu. A linguagem dos narradores foi respeitada noventa por  cento. Apenas não julguei indispensável grafar "muié", "prinspo", "prinspa", "timive", "terrive", etc. Conservei a coloração do vocabulário individual, as imagens, perífrases, intercorrências. Impossível, porém, será dar a idéia do movimento, o timbre, a representação personalizadora das figuras evocadas, instintivamente feitas pelo narrador ao nos contar o "causo". Os colaboradores tinham os níveis culturais mais diversos. Foram desde a senhora ao ginasiano, da cozinheira à ama analfabeta, da velha mãe-de-criação ao jardineiro, de pessoas com doze até outras com setenta e cinco anos. 

Dividi os cem contos em doze secções. Minha divisão atende aos "motivos" do conto, no critério de uma tentativa de sistematização. As centenas de milhares de contos que existem são combinações indefinidas desses motivos essenciais, ambientes, pormenores típicos, situações psicológicas. Os contos variam infinitamente, mas os fios são os mesmos. A 'ciência' popular vai dispondo-os diferentemente. E são incontáveis, e com a ilusão da originalidade. 

O conto, tanto mais tradicional, conhecido  e querido numa região, mais universal deve ser nos seus elementos constitutivos. Um tema restritamente local não se divulga nem interessa. 

Aqui apresento quanto pude reunir da tradição oral, dos contos velhos que encantaram as gerações brasileiras. Possa essa coleção animar o estudo do Folclore, numa unidade de trabalho, tenacidade e alegria cordial. 

"E como encontraram, 
Tal qual encontrei; 
Assim me contaram, 
Assim vos contei..."

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(Iremos publicando, a cada semana, uma parte dessa encantadora obra, até concluí-la. Bom proveito!)     

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