sábado, 25 de agosto de 2012

Reflexão: O devorador

O sapo cururu


“Tudo quieto, o primeiro cururu surgiu na margem, molhado, reluzente semi-escuridão. Engoliu um mosquito; baixou a cabeçorra; tragou um cascudinho; mergulhou de novo, e glu-glu! Soou uma nota soturna do concerto interrompido. Em poucos instantes, o barreiro ficou sonoro, como um convento de frades. Vozes roucas, foi-não-foi, tãs-tãs, glu-glus, choros, esgoelamentos finos de rãs, acompanhamentos profundos de sapos, respondiam-se.
Os bichos apareciam, mergulhavam, arrastavam-se nas margens, abriam grandes círculos na flor d’água. (...) Daí a pouco, da bruta escuridão, surgiram dois olhos luminosos, fosforescentes, como dois vagalumes. Um sapo cururu fitou-os e ficou deslumbrado, com os olhos esbugalhados, presos naquela boniteza luminosa. Os dois olhos fosforescentes se aproximavam mais e mais, como dois pequenos holofotes na cabeça triangular da serpente. O sapo não se movia, fascinado. Sem dúvida queria fugir; previa o perigo, porque emudecera; mas já não podia andar, imobilizado; os olhos feiíssimos agarrados aos olhos luminosos e bonitos como uma isca. Num bote, a cabeça triangular da serpente abocanhou a boca imunda do batráquio. Ele não podia fugir àquele beijo. A boca fina do réptil arreganhou-se desmesuradamente; envolveu o sapo até os olhos. Ele se baixava dócil entregando-se à morte tentadora, apenas agitando docemente as patas sem provocar nenhuma reação ao sacrifício. A barriga disforme e negra desapareceu na goela dilatada da cobra. E, num minuto, as perninhas do cururu lá se foram, ainda vivas, para as entranhas famélicas. O coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a um dos seus cantores.”



(Jorge de Lima in: Calunga; O anjo. Editora Agir, Rio: 1959, 3ª ed., p. 160-1)


Compare-se esse caso com a história da perdição de tantas crianças no mundo das drogas e se perceberão notáveis semelhanças...

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