segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ENSAIO

A estética do frio

Stela Rates

Dizem que a geografia de um lugar molda o temperamento de seus habitantes.

Não saberia dizer quanta verdade há nisso, mas tendo a concordar.

Nas bordas do sul da América do Sul, o tempo anda na cadência bem marcada das estações, numa aproximação dos ritmos esperados para a vida.

Mas é o inverno que nos dá o tom.

Quem por aqui nasceu não raro sente não haver, em tempo ou lugar alguns invernos como os de sua meninice.

O frio está na infância.

É a marca de nossa ancestralidade.

Não é um frio sem tréguas ou incapacitante, como nos extremos da terra.

Nem cinza e úmido, dia após dia, como no Velho Mundo.

Nosso frio tem cor e pode ser segurado no peito.

É também recatado.

Na maioria das vezes, nos nega o deslumbramento da neve.

Incerto, como um animal caprichoso, traz chuva miúda, manhãs brumosas, tardes ensolaradas.

Nosso frio é domado em volta do fogo.

Fogo de chão, da lareira, do fogão a lenha, das espiriteiras, das velas, dos braseiros, das fogueiras de papel sob os viadutos e pontes.

Assim, munidos de nossa força original, sobrevivemos às casas sem calefação, ao vento que corta, às noites longas e aos campos esbranquiçados de geada.

Nas cidades, nos salvam os aquecedores, os cachecóis e os cafés, que estilizam nossa busca atávica de calor e convívio.

Um mate quente ou um bom vinho também ajudam.

E o abraço acontece essencial, numa noite de inverno.


TEXTO Stela Rates ** Professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS e fotógrafa

FOTOS Daniel Marenco * Jornalista/Unisinos e repórter fotográfico do jornal Zero Hora

http://www.ufrgs.br/comunicacaosocial/jornaldauniversidade/110/ensaio.htm

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