As possibilidades das redes de aprendizagem
José Manuel Moran / jmmoran@usp.br
Especialista em mudanças na educação presencial e a distância
Hoje temos um número significativo de professores desenvolvendo projetos e atividades mediados por tecnologias. Mas a grande maioria das escolas e professores ainda está tateando sobre como utilizá-las adequadamente. A apropriação das tecnologias pelas escolas passa por três etapas, até o momento. Na primeira, as tecnologias são utilizadas para melhorar o que já se vinha fazendo, como o desempenho, a gestão, para automatizar processos e diminuir custos. Na segunda etapa, a escola insere parcialmente as tecnologias no projeto educacional. Cria uma página na Internet com algumas ferramentas de pesquisa e comunicação, divulga textos e endereços interessantes, desenvolve alguns projetos, há atividades no laboratório de informática, mas mantém intocados estrutura de aulas, disciplinas e horários. Na terceira, que começa atualmente, com o amadurecimento da sua implantação e o avanço da integração das tecnologias, as universidades e escolas repensam o seu projeto pedagógico, o seu plano estratégico e introduzem mudanças significativas como a flexibilização parcial do currículo, com atividades a distância combinadas as presenciais.
Os professores, em geral, ainda estão utilizando as tecnologias para ilustrar aquilo que já vinham fazendo, para tornar as aulas mais interessantes. Mas ainda falta o domínio técnico-pedagógico que lhes permitirá, nos próximos anos, modificar e inovar os processos de ensino e aprendizagem.
As redes, principalmente a Internet, estão começando a provocar mudanças profundas na educação presencial e a distância. Na presencial, desenraizam o conceito de ensino-aprendizagem localizado e temporalizado. Podemos aprender desde vários lugares, ao mesmo tempo, on e off-line, juntos e separados. Como nos bancos, temos nossa agência (escola), que é nosso ponto de referência; só que agora não precisamos ir até lá o tempo todo para poder aprender.
As redes também estão provocando mudanças profundas na educação a distância (EAD). Antes a EAD era uma atividade muito solitária e exigia muita auto-disciplina. Agora, com as redes, a EAD continua como uma atividade individual, combinada com a possibilidade de comunicação instantânea, de criar grupos de aprendizagem, integrando a aprendizagem pessoal com a grupal.
A educação presencial está incorporando tecnologias, funções, atividades que eram típicas da educação a distância, e a EAD está descobrindo que pode ensinar de forma menos individualista, mantendo um equilíbrio entre a flexibilidade e a interação.
Blogs e Flogs
Quando focamos mais a aprendizagem dos alunos do que o ensino, a publicação da produção deles se torna fundamental. Recursos como o portfólio, onde os alunos organizam o que produzem e o disponibilizam para consultas, são cada vez mais utilizados. Os blogs, fotologs e videologs são recursos muito interativos de publicação com possibilidade de fácil atualização e participação de terceiros.
Os blogs, flogs (fotologs ou videologs) são utilizados mais pelos alunos que pelos professores, principalmente como espaço de divulgação pessoal, de mostrar a identidade, onde se misturam narcisismo e exibicionismo (em diversos graus). Atualmente há um uso crescente dos blogs por professores dos vários níveis de ensino, incluindo o universitário. Os blogs permitem a atualização constante da informação pelo professor e pelos alunos, favorecem a construção de projetos e pesquisas individuais e em grupo, a divulgação de trabalhos. Com a crescente utilização de imagens, sons e vídeos, os flogs têm tudo para explodir na educação e integrarem-se com outras ferramentas tecnológicas de gestão pedagógica. As grandes plataformas de educação a distância ainda não descobriram e incorporaram o potencial dos blogs e flogs.
A possibilidade dos alunos se expressarem, tornarem suas idéias e pesquisas visíveis, confere uma dimensão mais significativa aos trabalhos e pesquisas acadêmicos. A Internet possui hoje inúmeros recursos que combinam publicação e interação, através de listas, fóruns, chats, blogs. Existem portais de publicação mediados, onde há algum tipo de controle e existem outros abertos, baseados na colaboração de voluntários. O site www.wikipedia.org/ traz um dos esforços mais notáveis no mundo inteiro de divulgação do conhecimento. Milhares de pessoas contribuem para a elaboração de enciclopédias sobre todos os temas, em várias línguas. Qualquer pessoa pode publicar e editar o que outras pessoas colocaram. Só em português foram divulgados mais de 30 mil artigos na wikipedia. Com todos os problemas envolvidos, a idéia de que o conhecimento pode ser co-produzido e divulgado é revolucionária e nunca antes tinha sido tentada da mesma forma e em grande escala.
A escola em conexão com o mundo
A escola com as redes eletrônicas se abre para o mundo, o aluno e o professor se expõem, divulgam seus projetos e pesquisas, são avaliados por terceiros, positiva e negativamente. A escola contribui para divulgar as melhores práticas, ajudando outras escolas a encontrar seus caminhos. A divulgação hoje faz com que o conhecimento compartilhado acelere as mudanças necessárias, agilize as trocas entre alunos, professores, instituições. A escola sai do seu casulo, do seu mundinho e se torna uma instituição onde a comunidade pode aprender contínua e flexivelmente. Destaco, por exemplo, a importância do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) de Chicago, que disponibiliza todo o conteúdo dos seus cursos em várias línguas, facilitando o acesso de centenas de milhares de alunos e professores a materiais avançados e sistematizados, disponíveis on-line http://www.universiabrasil.net/mit/. Alunos, professores, a escola e a comunidade se beneficiam. Atualmente, a maior parte das teses e dos artigos apresentados em congressos estão publicados na Internet. O estar no virtual não é garantia de qualidade (esse é um problema que dificulta a escolha), mas amplia imensamente as condições de aprender, de acesso, de intercâmbio, de atualização. Tanta informação dá trabalho e nos deixa ansiosos e confusos. Mas é muito melhor do que acontecia antes da Internet, quando só uns poucos privilegiados podiam viajar para o exterior e pesquisar nas grandes bibliotecas especializadas das melhores universidades. Hoje podemos fazer praticamente o mesmo sem sair de casa.
Os professores podem ajudar o aluno incentivando-o a saber perguntar, a enfocar questões importantes, a ter critérios na escolha de sites, de avaliação de páginas, a comparar textos com visões diferentes. Os professores podem focar mais a pesquisa do que dar respostas prontas, ou aulas todas acabadas. Podem propor temas interessantes e caminhar dos níveis mais simples de investigação para os mais complexos; das páginas mais coloridas e estimulantes para as mais abstratas; dos vídeos e narrativas concretas para os contextos mais abrangentes e assim ajudar a desenvolver um pensamento arborescente, com rupturas sucessivas e uma reorganização semântica contínua.
Uma das formas mais interessantes de desenvolver pesquisa em grupo na Internet é o webquest. Trata-se de uma atividade de aprendizagem que aproveita a imensa riqueza de informações que, dia a dia, cresce na Internet. Resolver uma webquest é um processo de aprendizagem atraente, porque envolve pesquisa, leitura, interação, colaboração e criação de um novo produto a partir do material e idéias obtidas. A webquest propicia a socialização da informação: por estar disponível na Internet, pode ser utilizada, compartilhada e até reelaborada por alunos e professores de diferentes partes do mundo. O problema da pesquisa não está na Internet, mas na maior importância que a escola dá ao conteúdo programático do que à pesquisa como eixo fundamental da aprendizagem.
O processo de mudança será mais lento do que muitos imaginam. Iremos mudando aos poucos, tanto no presencial como na educação a distância. Há uma grande desigualdade econômica, de acesso, de maturidade, de motivação das pessoas. Alguns estão prontos para a mudança, outros muitos não. É difícil mudar padrões adquiridos (gerenciais, atitudinais) das organizações, governos, dos profissionais e da sociedade.
Ensinar com as novas mídias será uma revolução, se mudarmos simultaneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantêm distantes professores e alunos. Caso contrário conseguiremos dar um verniz de modernidade, sem mexer no essencial. A Internet é um novo meio de comunicação, ainda incipiente, mas que pode ajudar-nos a rever, a ampliar e a modificar muitas das formas atuais de ensinar e de aprender.
Texto adaptado do capítulo 4 do meu livro A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá, da Editora Papirus, p.89-111)