quarta-feira, 14 de agosto de 2013

FILOSOFANDO



i) O Eu quer escapar do Eu que ele sabe que é. Parece que o indivíduo se desespera com respeito a alguma coisa. Mas é apenas aparência. Na verdade desespera com respeito a si mesmo e por isso quer se livrar de si próprio. Quanto tem um slogan ambicioso "Ou César ou nada" e não consegue chegar a ser César, ele se desespera por isso.

Mas isto também significa outra coisa: precisamente porque ele não conseguiu ser César, ele agora não consegue tolerar a si mesmo, ser ele mesmo. Conseqüentemente ele não se desespera porque não chegou a ser César mas se desespera sobre si mesmo pelo fato de não haver conseguido ser César. Conseqüentemente, desesperar-se sobre alguma coisa não é propriamente o desespero: este é desesperar-se de si mesmo porque não chegou a ser César. Desesperar alguém sobre si mesmo, em desespero de desejar livrar-se alguém de si mesmo - esta é a formula de todo desespero.

A terceira origem é o desespero do desafio, da provocação, da rebeldia, da oposição: consciente do eu interior e desejando afirmar esse Eu, o homem se desespera pelas suas limitações. Não reconhece a relatividade e a dependência última do Eu humano perante Deus.

j) Encapsulamento ou má fé. Passar da ignorância confortável para a autoconsciência leva ao pavor, ou ansiedade. Perguntando que estilo e estratégia uma pessoa usa para evitar a ansiedade, Kirkegaard pergunta como essa pessoa está escravizada por suas mentiras sobre ela mesma e para ela mesma. Uma forma de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel.

O caráter é uma estrutura construída para evitar a percepção do terror da perdição e da aniquilação que todos nós enfrentamos. Em "A doença para a morte", Kierkegaard nos lembra que nossa maior dificuldade não é porque temos um Eu e não ficamos leais a ele, mas que freqüentemente nós nem ao menos achamos em nos mesmos um Eu autêntico que mereça tal lealdade. Podemos perder o Eu e voltá-lo para atividades exteriores como uma camuflagem de seu vazio interior.

Freud, um grande leitor de Nietzsche, que por sua vez apoiou-se em Kirkegaard, com certeza tirou desse pensamento de Kierkegaard o que veio a rotular, na psicanálise, de "mecanismo de defesa" e "repressão".

O homem automaticamente "cultural" está confinado pela cultura e é escravo dela, seduzido na trivialidade pela rotina confortável da vida social e das alternativas limitadas e seguridade opaca que ela lhe oferece. Tal pessoa ele chama filisteu. O filisteu teme a verdadeira liberdade, porque ela coloca em perigo a estrutura de negação que cerca sua rotina cultural, abrindo as possibilidades das quais ele quer distância.

É o que freqüentemente caracteriza o filisteu burguês - membro da confortável classe média urbana, mais provavelmente do mundo dos negócios. Filisteus burgueses operam dentro de fronteiras de esperteza com a qual eles tentam acomodar "o possível". Cálculo, autoproteção, onde métodos do tipo comercial são presumivelmente transferidos para a vida do espírito, com resultados fatais previsíveis. A pessoa materialista ignora que tem um Eu eterno.

k) Criança. Tem raízes também no pensamento de Kierkegaard o postulado da psicanálise existencial de que as mentiras do caráter são construídas pela a criança para ajustar-se a seus pais, ao seu mundo, além de aos seus próprios dilemas existenciais. Essas defesas do caráter tornam-se automáticas e inconscientes. Essas mentiras negam nossas possibilidades. Conduzem as pessoas a ter medo de pensar por si mesmas. Deixar a criança explorar o mundo e desenvolver seus próprios poderes dará a elas uma "sustentação interna", uma autoconfiança diante da experiência.

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