i) O Eu quer escapar do Eu que ele sabe que é.
Parece que o indivíduo se desespera com respeito a alguma coisa. Mas é apenas
aparência. Na verdade desespera com respeito a si mesmo e por isso
quer se livrar de si próprio. Quanto tem um slogan ambicioso "Ou
César ou nada" e não consegue chegar a ser César, ele se desespera por
isso.
Mas isto também significa outra coisa: precisamente
porque ele não conseguiu ser César, ele agora não consegue tolerar a si mesmo,
ser ele mesmo. Conseqüentemente ele não se desespera porque não chegou a ser
César mas se desespera sobre si mesmo pelo fato de não haver conseguido ser
César. Conseqüentemente, desesperar-se sobre alguma coisa não é propriamente o
desespero: este é desesperar-se de si mesmo porque não chegou a ser César.
Desesperar alguém sobre si mesmo, em desespero de desejar livrar-se alguém de
si mesmo - esta é a formula de todo desespero.
A terceira origem é o desespero do desafio, da
provocação, da rebeldia, da oposição: consciente do eu interior e desejando
afirmar esse Eu, o homem se desespera pelas suas limitações. Não reconhece a
relatividade e a dependência última do Eu humano perante Deus.
j) Encapsulamento ou má fé. Passar da
ignorância confortável para a autoconsciência leva ao pavor, ou ansiedade.
Perguntando que estilo e estratégia uma pessoa usa para evitar a ansiedade,
Kirkegaard pergunta como essa pessoa está escravizada por suas mentiras sobre
ela mesma e para ela mesma. Uma forma de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se
um autômato, apegar-se a um papel.
O caráter é uma estrutura construída para evitar a
percepção do terror da perdição e da aniquilação que todos nós enfrentamos. Em
"A doença para a morte", Kierkegaard nos lembra que nossa maior
dificuldade não é porque temos um Eu e não ficamos leais a ele, mas que
freqüentemente nós nem ao menos achamos em nos mesmos um Eu autêntico que
mereça tal lealdade. Podemos perder o Eu e voltá-lo para atividades exteriores
como uma camuflagem de seu vazio interior.
Freud, um grande leitor de Nietzsche, que por sua
vez apoiou-se em Kirkegaard, com certeza tirou desse pensamento de Kierkegaard
o que veio a rotular, na psicanálise, de "mecanismo de defesa" e
"repressão".
O homem automaticamente "cultural" está
confinado pela cultura e é escravo dela, seduzido na trivialidade pela rotina
confortável da vida social e das alternativas limitadas e seguridade opaca que
ela lhe oferece. Tal pessoa ele chama filisteu. O filisteu teme a verdadeira
liberdade, porque ela coloca em perigo a estrutura de negação que cerca sua
rotina cultural, abrindo as possibilidades das quais ele quer distância.
É o que freqüentemente caracteriza o filisteu
burguês - membro da confortável classe média urbana, mais provavelmente do
mundo dos negócios. Filisteus burgueses operam dentro de fronteiras de
esperteza com a qual eles tentam acomodar "o possível". Cálculo,
autoproteção, onde métodos do tipo comercial são presumivelmente transferidos
para a vida do espírito, com resultados fatais previsíveis. A pessoa
materialista ignora que tem um Eu eterno.
k) Criança. Tem raízes também no pensamento de
Kierkegaard o postulado da psicanálise existencial de que as mentiras do
caráter são construídas pela a criança para ajustar-se a seus pais, ao seu
mundo, além de aos seus próprios dilemas existenciais. Essas defesas do caráter
tornam-se automáticas e inconscientes. Essas mentiras negam nossas possibilidades.
Conduzem as pessoas a ter medo de pensar por si mesmas. Deixar a criança explorar
o mundo e desenvolver seus próprios poderes dará a elas uma "sustentação
interna", uma autoconfiança diante da experiência.
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